O político vai governar o país vizinho sob uma inflação acumulada em 12 meses que passou de 140% em outubro e precisará lidar uma sociedade profundamente polarizada -questões que parecem crônicas na Argentina

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Javier Milei foi eleito neste domingo (19) presidente da Argentina, país que passa por uma de suas maiores crises econômicas em décadas.

O político vai governar o país vizinho sob uma inflação acumulada em 12 meses que passou de 140% em outubro e precisará lidar uma sociedade profundamente polarizada -questões que parecem crônicas na Argentina.

Desde 1983, quando o país se redemocratizou e passou a eleger novamente seus representantes, todos os líderes que passaram pelo poder precisaram lidar com tais problemas, em diferentes intensidades. Relembre abaixo quem governou o país desde então.
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RAÚL ALFONSÍN (1983-1989)

Símbolo da redemocratização na Argentina, o político da União Cívica Radical foi o primeiro presidente eleito após a ditadura militar (1976-1983). Embora tenha promovido avanços sociais, Alfonsín enfrentou dificuldades no âmbito econômico que levaram à sua renúncia seis meses antes do fim do mandato.

Foi durante o seu governo que aconteceu o Julgamento das Juntas Militares, como ficou conhecido o processo que responsabilizou os líderes do período ditatorial que permitiram massivas violações aos direitos humanos na Argentina.

Nas relações exteriores, Alfonsín assinou, ao lado de seu homólogo brasileiro, José Sarney, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento -embrião do Mercosul. O político morreu em 31 de março de 2009, vítima de um câncer de pulmão.

CARLOS MENEM (1989-1999)

Herdeiro de um processo hiperinflacionário, Menem aprofundou a crise argentina que desembocaria no Corralito, em 2001, e deixaria marcas até os dias atuais. Durante seu primeiro mandato, o peronista cativou certa popularidade por causa de sua política de câmbio que fixou US$ 1 para 1 peso argentino.

O segundo mandato, porém, foi marcado pelas consequências dessa política econômica, que minou o setor industrial da Argentina e não resolveu o problema da inflação a longo prazo. Presidente no cargo pelo período mais longínquo na Argentina, Menem ficou dez anos e cinco meses no poder, durante os quais desobedeceu a cartilha do movimento peronista -nacionalista e estatizante- e adotou políticas ultraliberais, como a privatização de várias empresas.

Denúncias de corrupção no seu governo lhe renderam pelo menos três condenações, mas ele não chegou a cumpri-las por estar no cargo de senador, que ocupou até sua morte, em 2021.

FERNANDO DE LA RÚA (1999-2001)

Correligionário de Alfonsín, de la Rúa governou o país por apenas por dois anos após receber um país com imensa dívida externa, hiperinflação e uma crise social batendo à porta. À medida que o peso derretia, a população via na compra de dólares a saída para preservar seu dinheiro -a Argentina, porém, dependia justamente da entrada da moeda no país.

Na tentativa de conter a bomba, o então presidente chegou a chamar Domingo Cavallo, ministro da Economia de seu antecessor, para assumir a pasta novamente. A escolha, porém, levou ao que ficaria conhecido como Corralito -a tentativa de conter a retirada em massa de dinheiro dos bancos por parte dos cidadãos.

Protestos tomaram as ruas do país, e a frase “que se vayan todos” (que todos vão embora), repaginada por Milei neste ano, marcou as manifestações. Após 39 mortes e mais de 400 feridos, de la Rúa renunciou e saiu de helicóptero da Casa Rosada. Depois do episódio, ele respondeu na Justiça por acusações de corrupção, foi absolvido, e se afastou da vida pública. O político morreu em 2019, aos 81 anos.

RAMÓN PUERTA (21-23.DEZ.2001)

A crise deu início aos 12 dias em que a Argentina teve cinco presidentes. Após a renúncia de Fernando de la Rúa, o então presidente do Senado, Ramón Puertas, era o político seguinte na linha de sucessão, já que o vice, Carlos “Chacho” Álvarez, renunciara em outubro de 2000. Ele foi empossado no dia 21 de dezembro de 2001 e ficou no poder por dois dias, durante os quais convocou a Assembleia a nomear um novo presidente.

ADOLFO RODRÍGUEZ SAÁ (23-30.DEZ.2001)

Então governador da província de San Luis, Rodríguez Saá é eleito presidente provisório da Argentina pela Assembleia Legislativa e assume o cargo no dia 23 de dezembro de 2001. Nos sete dias em que ficou no poder, o político declarou moratória e anunciou a criação de uma nova moeda, o “argentino”. O plano, porém, nunca se concretizou. Rodríguez Saá, que deveria ficar no cargo até março do ano posterior, renunciou no dia 30 de dezembro de 2001 por falta de apoio político dos peronistas.

EDUARDO OSCAR CAMAÑO (30.DEZ.2001-1.JAN.2002)

Após a renúncia de Rodríguez Saá, Ramón Puerta volta a assumir a Presidência brevemente, mas também abre mão do cargo. Assume, então, como presidente interino da Argentina, o presidente da Câmara, Camaño, como designa a Constituição para os casos de renúncia do presidente do Senado.

EDUARDO ALBERTO DUHALDE (2.JAN.2002-25.MAI.2003)

Após uma semana caótica, a Assembleia Legislativa escolhe o senador peronista Eduardo Duhalde, 60, como novo presidente do país. Ele assume o cargo no dia 2 de janeiro e fica até maio do ano seguinte.

O advogado, que já havia ocupado o cargo de vice-presidente de Menem, abandonou o câmbio fixo que sufocava a economia argentina, “pesificou” as contas bancárias e instituiu medidas sociais para apaziguar a crise social do país. A desvalorização da moeda minou a capacidade de consumo da população, mas incentivou a exportação do combalido setor industrial argentino e deu fôlego à economia.

Em 2002, a Argentina viu seu PIB cair 10,9% -a maior queda em cem anos. No ano seguinte, porém, a economia argentina cresceu 8,8%, porcentagem que não fui suficiente para recuperar as sucessivas quedas dos anos anteriores, mas que representava um sinal de melhora.

NÉSTOR KIRCHNER (2003-2007)

Correligionário de Duhalde, o peronista foi apoiado pelo então presidente nas eleições de 2003 e ganhou com a ajuda da relativa estabilidade que seu antecessor conseguiu alcançar na Argentina.

No cargo, Kirchner aumentou o controle do Estado sobre a economia, manteve um discurso nacionalista, com críticas abertas a rivais políticos, e um estilo centralizador que conseguiu renegociar a dívida pública e dar continuidade ao ciclo de recuperação iniciado por Duhalde.

O crescimento do PIB visto em 2003, por exemplo, manteve-se ao longo do seu mandato, variando entre 8% e 9% -taxas impulsionadas pela estabilidade e pelo boom de commodities da época, que também beneficiou o Brasil. Kirchner morreu após uma parada cardíaca em 2010, época em que havia anunciado a intenção de concorrer novamente nas eleições de 2011.

CRISTINA KIRCHNER (2007-2015)

Após o governo de Néstor, a eleição de Cristina, em 2007, e sua reeleição, em 2011, consolidou o que ficou conhecido como a “era Kirchner” na Argentina. Na área econômica, seu governo é lembrado pela estatização de empresas e por iniciativas como a “Asignación Universal por Hijo” (ajuda universal por filho), programa de redistribuição de renda semelhante ao Bolsa Família brasileiro.

Seu governo também ficou conhecido por entrar em confronto com a imprensa do país. Em 2010, por exemplo, Cristina acusou os dois principais jornais argentinos de “conspirar ilegalmente com ditadores” para assumir o controle da principal fabricante de papel jornal do país na década de 1980 -o que foi visto pelas empresas como uma tentativa de controlar um material essencial para garantir a liberdade de expressão na Argentina.

Ao fim do seu segundo mandato, em 2015, uma inflação em torno de 30% e a estagnação das vagas de empregos formais abriram as portas para a oposição triunfar.

MAURICIO MACRI (2015-2019)

Bilionário chefe de uma poderosa holding familiar e ex-presidente do popular clube de futebol Boca Juniors, Macri derrotou o peronismo e chegou ao poder em 2015, colocando fim ao ciclo de 12 anos da família Kirchner na Casa Rosada. Sua posse não teve a presença da antecessora.

A promessa do político e empresário de direita era fazer um programa de governo mais próximo do mercado financeiro e menos intervencionista. Macri, porém, teve dificuldade para dar estabilidade à Argentina e, em 2019, declarou moratória, ou seja, adiou o prazo de pagamento de parte de sua dívida de curto prazo.

Assim, em 2019, ele perdeu a eleição para o peronista Alberto Fernández, que recebeu o país com o índice de inflação mais alto em três décadas, um acordo com o Fundo Monetário Internacional para negociar e 35,4% da população abaixo da linha de pobreza.

ALBERTO FERNÁNDEZ (2019-ATUALMENTE)

Com a vitória de Fernández, o kirchnerismo voltou ao poder após quatro anos por meio da Vice-Presidência, cargo ocupado por Cristina. O atual presidente argentino assumiu a Presidência reforçando o vínculo que teve com Néstor, já que fez parte da equipe que assumiu a Presidência após a hecatombe política e econômica de 2001.

A proximidade com Cristina, por outro lado, diminuiu ao longo de seu conturbado governo. Em 2021, o presidente recebeu um pedido de renúncia de cinco ministros e, no dia seguinte, viu sua vice-presidente publicar uma carta nas redes sociais repleta de críticas à gestão.

O drama crônico da inflação na Argentina não deu trégua em seu mandato. No fim de outubro, a inflação acumulada durante 2023 ficou em 120%, acima do registrado em todo o ano passado. Em 2022, o acumulado da alta nos preços fechou em 94,8%.